Um dos principais estímulos para o desenvolvimento do sistema imune após o nascimento é a colonização do corpo com microrganismos. Estimativas apontam que o número de células microbianas presentes no corpo humano supera a quantidade de células eucarióticas, que formam o organismo. Dessa forma, começou a se assumir uma importância fundamental dos microrganismos que habitam as mucosas corporais no desenvolvimento de funções importantes para a nossa sobrevivência, tal como a imunidade.
Uma das maneiras de estudar a influência dos microrganismos comensais no sistema imune do hospedeiro é a partir de estudos feitos com animais. Na ciência, não se extrapola resultados animais para humanos, mas os resultados servem de norteadores para entendermos um pouco mais sobre o nosso próprio funcionamento. É comum a retirada da microbiota de ratos ou outras espécies, originando indivíduos “germ-free”, e a comparação destes com controles que possuem microbiota para observar os papéis dos microrganismos no metabolismo desses seres. Diversos estudos nesse sentido observaram que os animais germ-free apresentam sistema imune das mucosas pouco desenvolvido, respostas menos efetivas da imunidade quando exposta à infecção, menor quantidade de linfócitos T reguladores, reduzida capacidade anti inflamatória e resposta imune inata prejudicada por desenvolvimento incorreto.
Quando focamos nosso olhar sob o organismo humano, sabe-se que já durante a vida fetal, a geração de células da imunidade inata da criança depende em certo nível de compostos produzidos pela microbiota materna e que são transferidos via placenta. Por exemplo: ácidos graxos de cadeia curta são metabólitos microbianos produzidos a partir da fermentação de fibras. O contato fetal com esses compostos parece induzir maior potencial de geração de linfócitos T reguladores no ambiente pulmonar na vida adulta, reduzindo a incidência de alergias.
Depois do nascimento, em contato com o ambiente, começa um período conhecido como “janela de oportunidade”. Esse momento vai até, aproximadamente, o momento do desmame e é quando o bebê passa a ser exposto a novos tipos celulares de microrganismos, o que induz o desenvolvimento e a maturação das células e órgãos imunes.
Nessa fase, a colonização por microrganismos é bastante diversa e vai flutuando até chegar a um equilíbrio, que denota o padrão de estabilidade daquela microbiota até a vida adulta. Concomitantemente, o sistema imune passa por um processo de “educação”, para tolerar características do novo ambiente ao seu redor, bem diferente do útero materno. O tipo de microrganismos e as condições ambientais a que o indivíduo é exposto nesse momento, tais como a dieta, influenciam diretamente as próximas espécies que vão colonizar aquela microbiota, assim como a geração e atuação das células do sistema imune.
A formação da microbiota, assim como a maturação do sistema imune, tem consequências diretas no longo prazo. Uma menor capacidade de regulação imunológica e um sistema inato extremamente reativo, por exemplo, geralmente resultam de uma colonização microbiana precária no início da vida. Porém, essa comunicação microbiota – imunidade se mantém ao longo de toda a existência, na medida que condições patológicas influenciam os microrganismos comensais, e estes manipulam a fisiologia do sistema imune a partir do seu próprio metabolismo.
Um exemplo disso é que a microbiota tem um papel fundamental na manutenção da barreira intestinal, impedindo que patógenos cheguem até a circulação sanguínea e causem reações do sistema imune. Fatores dietéticos, como o consumo de dietas ricas em gordura, por exemplo, podem alterar essa microbiota e a função de barreira, levando a uma maior infiltração de substâncias patogênicas e ativação de células dendríticas, macrófagos e neutrófilos. Esse tipo de processo leva a um estado de inflamação crônica de baixo grau, fator de risco para o desenvolvimento de doenças metabólicas.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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